quinta-feira, 15 de maio de 2008

Georges abanou um adeus com mão lassa. Na esquerda segurava o Neruda que lhe pertencia e alguns discos antigos, que só nós tínhamos ouvido falar. Permaneci colada à soleira da porta, em parte dela, sustentando o corpo e a casa, para que tudo não virasse ruína. Desejava ser dramática, chorar alto, gritar maldições, mas com ele eu não conseguiria fingir. Por isso fui sólida.
Georges tinha beijado meu rosto com delicadeza antes de afastar-se. Meu rosto mudo de susto. A pele quase-cadáver, um quase velório, porque o que acontecia era, enfim, uma partida. E se não o perdia, porque meus poros sussuravam as letras do seu nome, perdia-me a mim, que ia guardada em em bolso de camisa, a que havia dobrado e colocado no fundo da bolsa de viagem.
Georges olhou-me uma última bez. Beijou-me a boca com sofreguidão, tocou meu corpo inteiro, colou-se nas minhas entranhas, morrendo comigo mais uma vez, gritando. A última vez. Só com os olhos, que fecharam-se como a tampa de caixa em adormecem as fotografias amarelas.

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