domingo, 7 de setembro de 2008

Magistério

1° lição: não permanecer de cuequinha durante o ato sexual.

domingo, 1 de junho de 2008

Ele veio. Todo sem jeito, mas veio. Ele chegou, me deu um beijo no rosto e eu o convidei para entrar. A gente sentou na cama e ficou um silêncio.. Ele tava com um cheiro muito bom e me deu vontade de apertar. Eu esperei ele falar, mas ele não disse nada. Então eu perguntei o que tinha acontecido na noite passada, e ele respirou fundo e disse que ele e a 'tal' tinham se reconciliado. Eu perguntei se foi bom, e ele disse que foi ótimo, ficou com ela lá a noite toda e na verdade tinha ficado com ela até agora a pouco. Eu só fiquei resmungando coisas do tipo "então tá", "desde que tu seja feliz, né e não-sei-o-quê. Foi engraçado porque tava um super constrangimento, principalmente da minha parte, e do nada a gente começava a falar de coisas nada a ver e isso foi meio bom, porque afinal de contas eu gosto disso nele! E.. eu perguntei se ele tinha me bloqueado no msn (a prima tinha dito) e ele disse que não. E eu disse que não devia ter permitido que ele sentisse sono na sexta-feira, que esse fora o meu maior erro. Que era o preço por ser uma pessoa boa e compreensiva. E repeti baixinho que eu era uma pessoa boa. Eu estava de pernas-de-índio e só conseguia olhar pra barra da minha calça. Não conseguia olhar pra ele, muito horrível. Ele ficava mordendo os dedos e o celular e eu só pensava "morde eu"! Eu disse que era um péssimo momento pra isso acontecer e ele disse "se tu tivesse vindo uma semana antes.." sabe!? E ficava aquele silêncio, cheio de imaginações. A gente se olhava às vezes, e que dor que dava! Tipo ele deve ter ficado uma hora aqui e a maior parte do tempo foi de silêncios. Eu perguntei "ahm.. eu acho que já era pra ter ficado implícito mas, só pra ter certeza, tu vai ficar só com ela agora?" e ele só acenou com a cabeça, dizendo que sim. E daí disse "ah, se fosse a dois anos atrás eu nem ligava" e eu pedi explicação, e ele disse que antes ele era um inconseqüente.. que agora não era certo ele brincar comigo e brincar com ela também. Que ele não estava fazendo isso só por ela, mas por mim e por ele também. Mais silêncio. Mais conversa sobre outros assuntos. Ele começa a dizer que vai embora. Levanta. Eu pergunto pra ele se na sexta ele já sabia que aquilo ia acontecer, e ele diz que não. Eu perguntei se eu tinha feito alguma coisa errada, ou deixado de fazer alguma coisa (aff..), e ele disse que não.. que eu não fiz nada. Que ele adorou ficar comigo, mas que eu sempre soubera, eu sempre estive ciente de que ele gostava da 'outra' e tals. Furungou um pouco nas coisas que estavam ao alcance e disse o derradeiro "então tá", que pra ele é sinal d despedida, e eu disse "senta aqui". E ele sentou, bem perto. Eu queria dizer que era uma péssima hora pra dizer aquilo, mas que eu gostava dele e tals, mas não deu. Não consegui. Era muito desnecessário, sabe!? Daí eu tive que pensar em alguma coisa pra dizer, porque ele tava ali muito perto e me olhando. Daí eu perguntei sobre aquelas coisas que ele me disse na mensagem, o que tinha acontecido pra mudar tanto da noite pro dia. E ele disse "não é que tenha mudado..". E eu disse "é óbvio que mudou, um monte!" E ele disse que não. E eu pedi que me explicasse, então.. ele disse um monte de coisas, tipo que tinha sido uma coisa muito linda e o amor dele por ela tinha voltado com força total e não sei o quê.. e eu deixei quieto. Só disse "que saco isso" olhando pra minha meia. E pra minha meia fiquei olhando. Ele passou a mão no meu cabelo, fez um carinho na minha nuca, me puxou e me deu um beijo na testa que me arrepiou até a alma. Eu olhei pra ele e disse "a gente vai ser amigos?" e ele disse "espero q sim". Eu disse que ia deixar ele ir embora e levei ele até a porta. Ele me deu um beijo na bochecha direita e eu me agarrei no pescoço dele e dei um super abraço.. ele retribuiu e eu senti que ia chorar. Soltei ele e disse "vai", toda embargada. E ele foi.

Mas tudo isso aconteceu a muito tempo.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

crua

eu pensei que estava claro o quanto eu gostava de você. ou pelo menos subententido. achei que você perceberia que eu apenas precisava de um convite direto. tantas conversas, tantas provocações. e depois, o seu namoro. com outra pessoa. nem eu entendo porque me abalei tanto. não pensava gostar desse jeito de você. eu mesma já pensei que era só dor da perda, de não ter conseguido. mas, se fosse assim, será que eu ia lembrar de você todos os dias várias vezes e por motivos tão bobos? eu não quero viver assim. eu quero que você seja feliz. eu quero um beijo seu. eu quero um dia romântico com você. só isso. não, estou mentindo. acho que só isso iria alimentar ainda mais minha vontade de estar contigo. o que eu faço? como me livro disso? por que você não me avisou? seria tão mais simples! eu não quero desistir. eu não sei o que fazer. eu preciso de alguma coisa, mas eu nem sei o que é. estou perdida.

sábado, 24 de maio de 2008

Reveillón 2008. Beira-Mar Norte. Depois de todo o foguetório, depois de todos os brindes, depois de todos os beijos, ela disse a ele, em uma declaração: 'E de te amar assim, muito e amiúde/ É que um dia em teu corpo de repente/ Hei de morrer de amar mais do que pude'. E ele: 'Isso quer dizer que tu me ama muito?'

Panaca.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Georges abanou um adeus com mão lassa. Na esquerda segurava o Neruda que lhe pertencia e alguns discos antigos, que só nós tínhamos ouvido falar. Permaneci colada à soleira da porta, em parte dela, sustentando o corpo e a casa, para que tudo não virasse ruína. Desejava ser dramática, chorar alto, gritar maldições, mas com ele eu não conseguiria fingir. Por isso fui sólida.
Georges tinha beijado meu rosto com delicadeza antes de afastar-se. Meu rosto mudo de susto. A pele quase-cadáver, um quase velório, porque o que acontecia era, enfim, uma partida. E se não o perdia, porque meus poros sussuravam as letras do seu nome, perdia-me a mim, que ia guardada em em bolso de camisa, a que havia dobrado e colocado no fundo da bolsa de viagem.
Georges olhou-me uma última bez. Beijou-me a boca com sofreguidão, tocou meu corpo inteiro, colou-se nas minhas entranhas, morrendo comigo mais uma vez, gritando. A última vez. Só com os olhos, que fecharam-se como a tampa de caixa em adormecem as fotografias amarelas.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Disposições Finais

Eu sempre lhe dei tudo o que vc me pediu, inclusive o tempo que vc julgou necessário para pensar e decidir sobre a sua/nossa vida. Eu confiei quando vc disse 'em breve te ligo com uma posição'. E vc, salvo aquela noite de catorze de março - em que vc me telefonou completamente confuso, pra me contar que tinha ido a um 'bruxo' e que, pelas coisas que ele havia lhe dito, talvez eu fosse a pessoa certa pra ti e que tu gostava muito de mim e não sabia o quê fazer e bla-bla-blá - nunca ligou. Eu respeitei o seu espaço e temi o silêncio que ecoava entre nós e que, indubitavelmente, soava a incerteza. Eu não telefonei, por julgar que não tinha esse direito. Eu percebi que talvez, afinal, vc tivesse decidido ficar com ela e, por alguma razão, não iria me contar. Sabe-se lá se era porque vc não tinha a coragem necessária ou se simplesmente me deixar na 'reserva' era mais conveniente pra vc. Não importam quais foram as suas razões, eu nunca desrespeitei a sua autonomia e liberdade, e esperei que vc viesse falar comigo. E um dia vc veio.

Chegou como quem não quer nada, fez uns agrados à (?)cunhada, umas perguntas a meu respeito, e pediu que ela me mandasse um beijo. Nos encontramos mais tarde, naquele mesmo dia, e tivemos uma conversa meio extensa. Vc me disse que estava com saudades minhas e triste e eu - ingenuamente - me preocupei. Realmente não é necessário que eu relate todo o diálogo que se passou, pois vc participou dele, mas não custa nada lembrá-lo que, naquela tarde de dezenove de abril, eu ouvi/li da tua parte que a palavra que definia os teus sentimentos por mim era 'amor', com letras garrafais; que nós realmente precisávamos nos ver e que eu deveria 'aparecer' em breve se quisesse; que vc estava sem namorada; que o seu primo Louis Arthur estaria se mudando pra Fortaleza e que, se eu aceitasse ser a 'prima nova', nós iríamos visitá-lo em breve. Desnecessário dizer que eu fui dormir com coraçõezinhos nos olhos.

O engraçado (?) é que, quando nos falamos ao telefone, nada fez sentido. Vc me tratou pel nome completo (uhr), não podia me receber e, de repente, não sabia de onde eu havia tirado a idéia de que vc estava solteiro. Acontece que, além de eu ter uma memória praticamente fotográfica, tudo o que tem alguma coisa a ver com a gente eu salvo/salvava no meu pendrive. Simplesmente não há como vc negar o que disse. Então, eu tive que confrontá-lo. E, pela primeira vez na nossa história, vc levantou a voz pra mim, e nós brigamos. E acho que eu finalmente entendi.

Num simples gesto incalculado seu, vc me deu todas as respostas que se esforçava tanto para ocultar, e eu lamento. Lamento mesmo, de verdade. Que vc não o tenha feito por sua livre e espontânea vontade. Teria nos poupado de tanto sofrimento e dor, teríamos perdido tão menos tempo. Me desculpe se, de alguma maneira, eu fui desagradável ou desnecessária, ou atrapalhei o seu novo relacionamento de algum modo. Se eu o fiz, foi por desconhecer todos os fatores e não poder montar um quadro real do que estava acontecendo. Eu fiz o que eu considerei melhor, baseando-me nas poucas informações que eu tinha. Vc me conhece e sabe que, se eu soubesse previamente o que estava acontecendo, eu não me intrometeria. E não vou me intrometer mais.

Eu sempre te disse que eu precisava entender para aceitar. Pois bem, eu entendi. Eu tirei as nossas fotos do meu mural, da minha agenda e do fundo da minha gaveta de lingeries. Removi todas as alusões que havia a vc no meu perfil e no meu blog, e a nossa foto não faz mais parte do meu álbum. Modifiquei meu estado civil para 'solteira' e, assim que vier a coragem, vou me despedir dos nossos amigos em comum; pelo menos por hora. Fazer tudo isso está simplesmente me dilacerando por dentro, mas são coisas que eu preciso fazer, para poder prosseguir. Por favor, não se preocupe comigo, essa jamais foi a minha intenção. Eu espero, de coração, que dê tudo certo pra vc, pois eu te amo e quero vê-lo feliz. E, se vc acha que a sua felicidade não é ao meu lado, o que eu posso fazer? É melhor deixá-lo ir.

Quando vier a Porto Alegre, por favor, entre em contato. Nós, com certeza, ainda podemos ser amigos. E, se um dia essa porcaria de amor passar, seremos os melhores.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

A única forma de ser é tornar-se outro. O Amor não sobrevive ao estranho. Nem à verdade.

sábado, 19 de abril de 2008

Mínima

Socorro, preciso tirar essa vadia de dentro do meu corpo!!!

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Bichos

Era recém-nascida noite. A casa imersa na voz grave do cantor argentino acolhia o silêncio. Os corpos nus, ainda úmidos, guardavam o cheiro de água morna e espuma. Lado a lado. Um par.
Angélique espiava os olhos do homem, escondidos sobre os cílios espessos. “Olhos de cachorro”, ele havia dito certa vez. Sorriu. “Um bicho”, pensou. Espichou-se feito gato. Contraste. Inimigo espreitando a fera adormecida. Na caixa procurou a arma que o feriria. Negra.

Rodeou a cama, observadora. Aproximou-se do homem e alongou-se sobre o seu corpo. Gazela. Acariciou os braços firmes, as mãos que gostavam de dizer o mundo. Alongou-se sobre ele. Enguia. Reconhecendo a dona, Georges obedeceu. Espreguiçou-se, levando os braços acima da cabeça. Foi então que ela o atacou. Serpente.

Sem hesitar amarrou os pulsos na cabeceira de ferro da cama. Escorregou sobre o seu corpo e amarrou-lhe os pés. Somente então ele abriu os olhos. Encarava-a. Um misto de surpresa e fúria. Entredentes rosnou: cadela.

Ela então apagou a luz e retirou-se do quarto. Georges tentou soltar-se, mas o que havia ali era mais do que lenços, eram nós. Percebeu-se submetido e isso o deixou irado. Gritou pelo nome dela, mas ela não respondia. Aguçou os ouvidos e o faro. Longe, a voz de Angélique cantarolava em alguma outra peça da casa (como haver tanta paixão na melancolia?). Seu corpo estava tenso, a respiração ofegante, quando ela entrou no quarto.

A luz tremulante da vela iluminou a penumbra. Os olhos dele iluminaram-se também. O corpo nu da mulher sibilava, quase um espectro cortando a sombra densa. A vela na mão direita, até então afastada, aproximou-se do rosto da mulher. Havia nos olhos dela uma selvageria que o acuou.

Angélique, sem tirar os olhos da presa, contornava o corpo com a chama. Todas as curvas acesas. O ombro torneado, os seios e os mamilos como setas, o ventre fértil de gozos, a virilha nua. Acomodou o castiçal na mesinha ao lado da poltrona que havia na diagonal da cama. Sentou-se, afundou-se no tecido felpudo, empurrando com as costas o encosto do móvel. Assim, reclinada, abriu as pernas.

A mão que antes guardava o fogo, agora o acendia no próprio corpo. Angélique tocava-se diante dele. Distante dele. As unhas vermelhas pareciam pequenas feridas sobre a pele delicada de sua boceta. A luz fraca não disfarçava a caverna úmida da mulher, que rebolava lentamente sobre si mesma. Os dedos experientes falavam entre os sussurrados ais da fêmea.

Georges gemeu alto. Seu corpo agitou-se na cama. Mas ele estava cativo. O sexo ereto sem abrigo. Sentia-se um bicho. Assustado e raivoso, queria saltar sobre ela, penetrá-la com força. Humano, controlava-se.

Ela então levantou-se. Gigantesca. Lançou-se sobre o corpo dele, sugando-lhe o pescoço, o peito, alagando-lhe o umbigo. As unhas arranhavam as costas e a lateral do corpo do homem. Georges implorou que o soltasse. Ela não o ouvia. Experimentou seu corpo inteiro, lambeu-lhe ente os dedos dos pés, entre as coxas, mordeu-o. Era o gosto que já conhecia, mil vezes devorado. Decorado. Georges era seu banquete.

Afastou-se, fazendo-o pensar que estava saciada. Deixou-o retomar a respiração. Chamá-la de todas as palavras mais sujas para quem não conhece o desejo. Ameaçá-la. E riu, riu como louca. Desvairada. Calou-se somente quando engoliu, de uma só vez, a carne mais nobre da caça.

sábado, 29 de março de 2008

Penumbra

Georges tocou-a primeiro com os olhos. Os olhos fixos sob as pestanas escuras. Os dela semicerraram-se. Fugidios. Buscaram desesperadamente um abrigo dentro da razão. Ela olhou para o copo na sua frente. Ele também suava, repleto de um líquido quente e trêmulo. Corou. Foi o sinal que Georges esperava. Aproximou-se lento e firme. Velho e menino num mesmo corpo. Seguro, encaminhou-a, com mão forte sobre sua cintura através das escadas que os retirou da fumaça do bar e os entregou à noite úmida.

A pele de Angélique arrepiou-se. Mais. Georges puxou delicadamente os cabelos tintos, descobrindo a palavra dela e falou a sua pela primeira vez, baixo - quase um sopro. Acompanhe-me. Ela obedeceu. Havia um quê de ordem naquele quase silêncio. Caminharam algumas quadras, poucas.

O prédio tinha um corredor largo e escuro. A luz sob as portas deixava perceber os azulejos brancos, num desenho geométrico. Ela olhava para dentro, mas fingia olhar o chão. Inebriada pela bebida ainda, pelo cheiro do homem que andava agora à sua frente, pela mão quente a qual a sua estava algemada. Ele abriu a porta, a última à direita e encaminhou-a para dentro. Não havia luz alguma.

Cega, ela encostou-se à parede, buscando alguma forma de solidez. Não encontrou. Ouvia a respiração de Georges, próxima, mas era tal o breu e a embriaguez que não conseguia distinguir onde ele estava. Sentiu, subitamente, as mesmas mãos fortes virando-a. O rosto na cal fria.

Georges desabotoou sua blusa, o corpo colado em suas costas. Os dedos ágeis, o braço roçando-lhe os seios. Beijou-lhe o pescoço, os ombros, a nuca. Percorreu com a língua as vértebras da coluna esguia, enquanto suas mãos continuavam acariciando os mamilos tesos, o abdômen tenso pela respiração entrecortada de Angélique.

Correu os dedos ao longo das pernas. Primeiro os pés, em ponta sob o salto. Por sob a saia, circulou as coxas, o quadril. Abriu o fecho e deixou que a peça deslizasse sobre o mesmo caminho que havia percorrido. Retirou a última peça, a menor. Com os dentes.

Afastou-se de súbito. Mais palavras. Não se mova. Ela continuou estática. O braço direito dobrado, o dorso da mão protegendo a boca que pedia por mais. Não pediu. Georges a observava como a uma pintura. O corpo alvo sobre a parede mais alva ainda. O branco banhado de penumbra. Ele a mirava com olhos de gato. Vampiro.

Como se tivesse transformado, jogou-se sobre o corpo trêmulo da mulher. Sem delicadezas. Georges a acariciava agora com força. Um desbravador obstinado em fazê-la render-se. Angélique rendia-se. Múltiplas vezes, mas não pedia jamais que ele se afastasse, ou que retirasse a boca faminta de seu sexo. Ele então virou-a novamente. Olhou-a nos olhos antes de sugar-lhe os seios com uma sede milenar. Angélique mordia a palma da mão. A face direita colada à parede, os olhos vidrados no que não podia ver.

Georges ergueu-a, então, e a depositou sobre seu membro. Escorregou para dentro dela, sinuoso, serpente. Era o ombro dele agora que ela mordia, com força, enquanto ele a invadia. O sereno da noite era agora rio nos corpos quentes dos amantes. Os gemidos antes abafados avolumaram-se até transformarem-se em palavras incompreensíveis, em desejos impronunciáveis em qualquer outro lugar que não fosse aquele cubo negro. Um grito explodiu subitamente, iluminando o corredor quadriculado do prédio.

Era noite, mas ninguém mais dormia.

quarta-feira, 26 de março de 2008

A imagem por trás da tela

Todas as noites em que Cassandra chegava em casa depois da meia noite, de mau humor, subia as escadas fazendo barulho, com o cigarro aceso numa mão e um molho de chaves na outra. Parava no topo da escada resmungando coisas inaudíveis, ligava a luz do corredor e ia, a passos pesados, ao quarto de sua irmã, Lívia. Abria a porta, como quem quer tomar satisfações de algo, e se avolumava na entrada.
O quarto exalava um cheiro heterogêneo, uma mistura de fumaça de cigarro e perfume caro. No cinzeiro havia muita cinza e uns quatros filtros amassados. Uma garrafa de vodca vazia, algumas revistas, sapatos e uma bolsa estavam jogados no chão.
Finalmente, espalhada em cima da cama estava sua irmã Lívia, vestida num pijama estampado de ursinhos. Cassandra ligou a luz do quarto, revelando uma bagunça muito maior.

— Quantas vezes eu vou ter que dizer que eu não quero que você fume dentro de casa? — falou, muito nervosa.

Lívia não respondeu

— Quantas vezes eu vou ter que dizer que eu não quero que você fume dentro de casa? — gritou.

Lívia mexeu-se na cama e tapou os ouvidos com uma almofada.

— Não finja quenão está me ouvindo, Lívia! — continuou — Quantas vezes eu vou ter que dizer que eu não quero que você fume dentro de casa? Quantas vezes? — gritou.

Lívia apertou mais ainda a almofada nos ouvidos. Irada, Cassandra pegou o cinzeiro e o atirou no espelho, que trincou, fragmentando a imagem de sua silhueta na porta.
Lívia levantou de súbito da cama, olhando para o espelho quebrado. Voltou-se para sua irmã mais velha e a encarou, nervosa.

— Quantos homens você vai ter que amar para esquecer desse dia, Cassandra?

— Você está bêbada... — disse Cassandra.

— Quantos homens você vai ter que abandonar para esquecer dessa noite, querida irmã? — falou Lívia, fitando a irmã nos olhos.

— Você não respondeu a minha pergunta! — gritou Cassandra.

— Quantos anos mais você vai tentar repetir tudo aquilo? Eu quero entender! Quantos homens mais você vai ter que usar para esquecer do que aconteceu, sua velha maldita? — disse Lívia, iniciando ali mais uma das brigas mais faladas em todo prédio.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Uma Folha Qualquer

Como já dizia Raul, 'Se uma flor é uma flor/ e não tem outro jeito da gente dizer/ Pra que mentir?/ Se eu sei, eu sei..'. Muitas pessoas tentam rotular seus sentimentos, atribuindo-lhes qualidades e adjetivos. Mas por que fazê-lo?!
Eu, se tivesse em minhas mãos uma folha qualquer, procuraria expressar meus sentimentos da forma mais pura, verdadeira e simples possível. Sem maquiá-los ou enfeitá-los, sem abusar dos arranjos sintáticos, sem lançar mão das metáforas, hipérboles e afins.
Diria aos meus amigos quão especiais eles são para mim, somente pelo fato de existirem. Ao meu pai, o quanto é bom tê-lo verdadeiramente de volta, agora que seus sorrisos e gargalhadas espalhafatosas voltaram realmente a encher a casa, e ele anda despreocupado pela rua. Àquela pessoa em especial, tudo o que sinto, reiterado, para sempre. Enfim, diria tantas coisas a tantas pessoas.
Infelizmente, nem sempre pode ser assim. As pessoas mais sinceras são as mais mal-interpretadas. Um 'eu te amo' na hora errada pode fazer a relação acabar. Temos que fazer a nossa parte, correr os riscos e torcer para, ainda com Raulzito, as pessoas perceberem 'a beleza da simplicidade'.

quinta-feira, 13 de março de 2008

5.000.000.000 de anos

Um dia nossa Via Láctea vai se chocar com a Nebulosa de Andrômeda. Após isso, presume-se, uma nova chance à vida vai se formar, e talvez toda memória que preservamos se extinguirá. É claro que levará muito tempo pra isso, algo em torno de cinco bilhões de anos. Mas é algo palpável, segundo a ciência.

Pensando assim não dá muita vontade de escrever poesia, um conto elaborado, um diário ou mesmo uma pequena anotação. Não dá vontade de ter filhos, de plantar uma árvore ou de ajudar o próximo. Pensando assim não há muitos bons motivos para deixar nada pra posteridade, até porque a natureza do Cosmo não costuma fazer acordos. Não há muitos bons motivos pra tanto labor e tristeza, tanta riqueza e empatia, a posteridade está condenada.

Mesmo assim, se nem de perto a nossa Via Láctea passar da Nebulosa de Andrômeda, cinco bilhões de anos mais tarde será tempo suficiente para apagar qualquer aviso que se dê hoje, e hoje será um passado tão remoto que será ignorado. Imagine alguém que pesquisa um passado de cinco bilhões de anos. Agora imagine esse alguém tomado da vontade de fazer um exercício de concentração para entender o que se passa hoje. Hum, pensando assim aquele, cinco bilhões de anos na nossa frente, não estará muito mais evoluido do que os de hoje.

Pronto! Mexer com o futuro é mais danoso do que fuçar o passado. Prefiro ser finito, de oitenta e poucos anos e dois filhos, cinco netos e um bisneto que levará meu nome. Prefiro sentar-me e imaginar que daqui a cinco bilhões de anos eu não vou ter feito a menor diferença pras rotas cósmicas da nossa galáxia.

Pelo menos até que eu me mude.

terça-feira, 11 de março de 2008

A Segunda

Era sempre assim (e lhe caía tão bem)
mais bela do que acreditava ser,
mais alta do que acreditava ser,
mais interessante do que acreditava ser.

Não era o caso - e compreendam bem - que se diminuísse ou se julgasse mercadoria de segunda. Pode-se dizer que conhecia demais suas limitações e ilimitações e emprestava às duas um pouco de exagero - mas não desse exagero vulgar ou dramático - um excesso contido e sensato, pouco livresco. Devia se conhecer bem e isso a satisfazia de tal forma que não podia deixar de sorrir molemente, patética, num orgulho leve e etéreo.

Chegava sempre perto demais e preferia imaginar como seria do que viver o que será e - e eu lembro tão bem! - na hora agá estremecia e dava um passo para trás e deixava que fossem na sua frente, principalmente se o mérito fosse o cara de quem ela gostava há um tempão. E nessas se enchia internamente de um pranto feliz que corria como um rio por suas entranhas, arrastando qualquer mácula e dissipando-a de tal forma que flutuava. Guardava bem a situação e gostava dessa condição de zeladora das coisas, das pessoas, uma espécie de anjo que vela a felicidade geral que é a sua própria felicidade porque se sentia todos e cadaum. Ficava externa, protegida e limpa (porque CONCRETIZAR é sujar as mãos e sujeitar o ideal aos limites e carrancas da realidade, desvirtuar o que se ama e o que é motriz).

E lhe caía tão bem porque não era dada ao ato e não sabia como fazer ao certo e nem como manter o que se conquistava e lhe parecia absurda a condição de eleita, de escolhida, de primeira.

domingo, 9 de março de 2008



Já dizia Fernando Pessoa:

o poeta é um fingidor
finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente




O ato de fingir é menos dolorido do que de ser verdadeiro. Somos humanos numa tentativa de esconder nossa brutalidade instintiva. O que nos faz humano é o falso, não o polegar em pinça. Escrever é uma mentira, serAngélique é uma mentira, as rosas em botão são uma mentira, ou todo meu amor. O amor nem sequer existe, então fingimos que amamos e, vez por outra, fingimos que somos felizes.

Eu já gozei como Sally, já ri pra não perder o amigo, já dormi quando não tinha sono, já fiquei acordada por obrigação, já li até o final por pura birra, já deixei de chorar por orgulho, já bebi pra não me enxergar. E silencio o grito escrevendo, silencio o grito que deveria ecoar e assustar a velhinha que passeia calmamente com o poodle, fingindo que ele é o filho que nunca vem. Eu nem chuto o poodle, que é chato e suja a calçada, porque é necessário fingir-me Pessoa.

O ato de fingir é menos dolorido que ser verdadeiro?

sexta-feira, 7 de março de 2008


Rosa prá se ver, prá se admirar
Rosa prá crescer, Rosa prá brotar
Rosa prá viver, Rosa prá se amar
Rosa prá colher, e despetalar

Rosa prá dormir, Rosa prá acordar
Rosa prá sorrir, Rosa prá chorar
Rosa prá partir, Rosa prá ficar
E se ter mais uma Rosa mulher...

É primavera
É a rosa em botão
Ai! Quem me dera!
Uma rosa no coração...

Rosa prá se ver, Prá se admirar
Rosa prá crescer, Rosa prá brotar
Rosa prá viver, Rosa prá se amar
Rosa prá colher, e despetalar...

Rosa prá dormir, Rosa prá acordar
Rosa prá sorrir, Rosa prá chorar
Rosa prá partir, Rosa prá ficar
E se ter mais uma Rosa mulher...

É primavera
É a rosa em botão
Ai! Quem me dera!
Uma rosa no coração...

Rosa prá se ver, Prá se admirar
Rosa prá crescer, Rosa prá brotar
Rosa prá viver, Rosa prá se amar
Rosa prá colher, e despetalar...

Rosa prá dormir, Rosa prá acordar
Rosa prá sorrir, Rosa prá chorar
Rosa prá partir, Rosa prá ficar
E se ter mais uma Rosa mulher...
E se ter mais uma Rosa mulher...

(Samba da Rosa, Vinicius de Moraes)